Kraven, o Caçador, sabe que a morte está chegando. Com um desafio final, ele promete capturar a presa que sempre escapou de suas garras: O Homem Aranha. Contudo, para conseguir realmente vencer o escalador de paredes, Kravens acredita que deve se transformar no próprio Aranha em espírito e façanhas. Só então ele terá provado a si mesmo que é, de fato, o caçador supremo...
Geralmente as mais aclamadas histórias contam os maiores triunfos dos heróis, sobre os maiores perigos e inimigos. Extraordinariamente, uma das maiores histórias do Homem-Aranha é aquela sobre a sua maior derrota.
Peter Parker, o Homem-Aranha, o Amigão da vizinhança... creio que ele dispensa apresentações, não é? Como os quadrinhos, desenhos animados, séries de televisão e filmes rodando por aí, por cinquenta anos, não creio que haja alguém que não o conheça. Bem como seus maiores inimigos... mas existe um que, mesmo famoso entre os leitores, não é muito conhecido pelo público geral: Sergei Kravinoff, ou Kraven, o Caçador.
Remanescente de uma linhagem aristocrática russa, o jovem Sergei fugiu para os EUA levado por sua família, quando se deu o estouro da revolução russa de bolchevique. Ao crescer, dedicou sua vida e a fortuna de sua família às viagens pelo mundo todo, caçando as feras mais selvagens e tendo contato com os povos mais diversos. Ali, em meios as feras e as selvas, ele descobriu a glória e sua vocação, tornando-se Kraven, o Caçador. Seu convívio com culturas tribais o levou a conhecer várias poções que ampliavam suas capacidades físicas, deixando-o rápido como um leopardo, forte como um urso, com os sentidos de um lobo e etc, que unido a sua ampla experiência em caçadas o tornou um oponente formidável.
Depois de ter perseguido e subjugado todos os animais possíveis, chegou a seu conhecimento que havia um homem em Nova Iorque vestindo uma roupa "de aranha" sendo perseguido por todos, mas nunca sendo pego, e decidiu que este seria um bom exercício capturar esta fera... obviamente, ele nunca conseguiu. Até chegarmos a uma época específica da publicação de histórias em quadrinhos.
A Era de Bronze
Resumindo rapidamente, nos quadrinhos tivemos a Era de Ouro, passada nas décadas de 40 e 50, onde havia narrativas mais inocentes e maniqueístas, comumente envolvendo o embate contra nazistas e gângster. A Era de Prata veio com as críticas à violência nas histórias e o crescimento do conhecimento do público geral sobre ciência, tornando os meados da década de 60 um tumulto de histórias sobre alienígenas, cientistas malucos e seus planos de dominação global.
No final da década de 70 até a década de 80 tivemos a chamada Era de Bronze, que foi marcada por um amadurecimento dos personagens e roteiros. A população estadunidense (de onde quase todos os quadrinhos de super-heróis saiam na época) havia passado pelo movimento hippie, pelo Woodstock, pelo amargor do Vietnam, o que fazia com que o ideal do “American Dream” fosse colocado à prova. Sexo, drogas e Rock n’ Roll migraram dos vinis para as páginas das revistas.
O Homem-Aranha sempre esteve na vanguarda das mudanças editoriais dos super-heróis. A tomada de temas mais pesados fez com que Flash Thompson, o famoso valentão da escola, se tornasse um veterano de guerra que sofria de estresse pós-traumático e alcoolismo. Seu amigo Harry Osborn teve um sério problema com drogas. A vida de Peter Parker também tomava rumos mais “adultos”: casou-se com Mary Jane Watson-Parker (que precisou fazer terapia para suportar um marido super-herói), usava um uniforme negro (que passava mais seriedade) e se envolvia diretamente nos problemas acima. Kraven ficou deslocado em meio às mudanças. Aquele bigode e roupas o faziam parecer um integrante do Village People, e suas motivações se tornaram questionáveis… sinceramente, ele sempre foi um vilão de segunda da galeria do Homem-Aranha, sempre apanhando e sendo humilhado… todos os dias eram o dia da caça! Foi então que em 1987, com roteiro de J. M. DeMatteis começou a ser publicada ao longo de seis revistas a Última Caçada de Kraven.
O Dia do Caçador
Sergei começou a questionar seus valores e os motivos que o levavam a perseguir tão arduamente o herói aracnídeo. Em meio às suas divagações e viagens lisérgicas geradas por suas poções, começamos a ver o “bobo da corte” apresentado nas histórias anteriores dando lugar a um nobre que foi privado de sua nobreza, não se encaixando no país em que residia (ainda eram épocas de Guerra Fria, afinal) e é revelado um histórico de doença mental na família, insinuando que o próprio Kraven não bate muito bem. Entendendo esta mistura de honra, insanidade e poder entendemos o que o leva a traçar a estratégia de sua última e maior caçada.
Embalados pelo poema “O Tigre”, de William Blake, adaptado e tendo se tornado “A Aranha”, acompanhamos a concretização da emboscada. Localizar o Aracnídeo não foi difícil, bem como prendê-lo em uma rede. Até aí tudo bem, é esperado esses momentos de tensão onde o vilão conta seu plano dando tempo ao herói para se safar… mas Kraven não é mais um mero vilãozinho de segunda, e sim um homem tentando restaurar sua honra e sua sanidade. Ele faz então o que seria esperado de um homem que tem seu maior desafeto preso à sua frente: engatilhou seu rifle e atirou.
"ARANHA, ARANHA / VIVA A CHAMA QUE AS FLORESTAS A NOITE INFAMAM"
Mas não seria bastante apenas matar o seu inimigo. Qualquer um poderia dar sorte em um tiro, e não se tratava apenas de derrotar o Homem-Aranha, e sim superá-lo em todos os sentidos. Para tanto, Kraven veste o uniforme do aracnídeo e passa a combater o crime em seu lugar. Sem clemência, Kraven encontrava os bandidos e os espancava, levando alguns à morte, tudo para provar ser um combatente do crime mais eficiente. Em uma história passada, o Aranha precisou da ajuda do Capitão América para derrotar o perigoso Rattus, levando Kraven a caçá-lo e capturá-lo sozinho, provando definitivamente que pode ser superior. Então, duas semanas depois de sua morte, Peter Parker se levanta de sua tumba.
Entendemos então o plano do Caçador: sedar seu inimigo, tomar seu lugar, fazer tudo o que ele faz, e então despertá-lo para que ele saiba de tudo. Quando o Homem-Aranha confronta Kraven e começa a socá-lo, não encontra sequer resistência: temos ali um novo Sergei Kravinoff, realizado e que não precisa mais lutar, já que realizou uma das mais (se não A mais...) indubitáveis vitórias sobre um oponente que se tem notícia.
Temos também um homem que teve uma epifania, abrindo seus olhos para a realidade e vendo que o Aranha não era uma fera, e sim apenas um homem... Ao estar no lugar de seu inimigo, ele notou sua fragilidade e a insensatez dos chamados "super-vilões". Notou a estreita ligação que manteve por anos com o seu oponente, o que os tornava praticamente amigos... e notou que aquela vida não era mais para ele.
Além dos pensamentos de Kraven, acompanhamos também as preocupações de Peter sobre a morte e sua família, o desespero de Mary Jane sem saber onde está seu marido por duas semanas e não poder recorrer a ninguém para ajudá-la e a confusão de Rattus, nem homem nem animal, tendo que lidar com sua existência num mundo que não compreende. Não contarei o final da história, para tentar manter o clima de mistério. Contar que o Aranha não morre não é o Ápice da história, já que se ele tivesse morrido de fato, se chamaria "A Morte do Homem-Aranha!"
A Última Caçada de Kraven é uma aventura surpreendente, interessante e profunda. Uma das provas (para aqueles que precisam delas) de que o mundo do Super-Heróis tem muito mais a oferecer do que apenas roupas coloridas e sequências de "pofs" e "bangs". É também uma prova de que seu herói favorito não precisa ser invencível e intocável para ser seu herói favorito! Uma avaliação profundo da relação "Herói-Vilão" dos quadrinhos, uma elevação de um vilão de segunda a categoria dos pesos-pesados e um plano que pode não fazer você torcer para o vilão, mas com certeza fará com que termine de ler a revista, coloque-a de lado, levante-se e aplauda. Touché, Kraven!
Bom essa foi uma análise completa da história. Realmente se pararmos para analisar, foi uma das melhores histórias mesmo (sou meio suspeito para falar porque sou super fã do Homem-Aranha), mas para quem está chegando agora nos quadrinhos, pode achar que a leitura pode ser meio complicada. Mas mesmo assim, não é motivo para deixar de lê-las. E não podemos esquecer do final... Mas que final surpreendente, que te deixará de boca a berta.
Nome do HQ: O Espetacular Homem-Aranha - A Última Caçada de Kraven
N° Da Coleção: 09
N° Lançamento (Brasil): 07
Nenhum comentário:
Postar um comentário